sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

DIREITO DE SUCESSÃO

PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DIREITO SUCESSÓRIO DO COMPANHEIRO PREVISTO NO CÓDIGO CIVIL (COMENTÁRIO AO ARTIGO 1.790 do CC).


Apesar de entendimentos controversos, a doutrina majoritária reconhece que o legislador ordinário ao editar o art. 226 e parágrafos seguintes da Constituição Federal de 1988, deu caráter legal à união estável e quis elevá-la ao mesmo patamar que a entidade familiar decorrente do casamento, tanto é que, segundo previsão do §3º deste artigo, o legislador identifica a união estável como entidade familiar e, para tanto, solicita que a lei facilite sua conversão em casamento.

Diante de tal afirmação, não restam dúvidas que nossa sociedade não é a mesma de poucas décadas atrás. Com a modificação no modo de viver, as pessoas também passaram por mudanças significativas e, de alguma forma, isso refletiu até mesmo no modo de nos aglomerarmos e, consequentemente, na constituição da base ou entidade familiar.

A união estável teve de ser reconhecida constitucionalmente, devido a grande incidência deste novo modo de instituição familiar após a década de 50 do século XX, razão pela qual o poder judiciário se viu estritamente forçado a admitir a existência dessa forma de instituição familiar.

Merece aplausos o novo Código Civil ao tratar sobre a união estável em seus artigos 1.723 a 1.726, onde regula sua instituição, tais como constituição, deveres e o regime das relações patrimoniais entre os companheiros.

Contudo, o objetivo que se esbarra o presente comento é quanto ao direito sucessório dos mesmos, pois o Código Civil de 2002 ao tratar do assunto, deixou muito a desejar, tanto é que a época da entrada em vigência da Lei, cogitava-se que rapidamente haveria modificação do art. 1.790, que diz respeito ao direito sucessório dos companheiros e que será objeto de estudo.

Como dito alhures, não restam dúvidas, a não ser sob a perspectiva de doutrinadores extremamente conservadores tais como Caio Mário[1], de que a união estável é considerada entidade familiar (art. 1.723 do Código Civil) e, desta forma, é capaz de produzir efeitos que derivam da família matrimonial, abarcando inclusive o direito sucessório. Contudo, não é o que acontece.

Segundo prescreve o caput do artigo 1.790 do Código Civil:

“A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas seguintes condições [...]”.

A lei civil ao tratar do direito sucessório do companheiro, no caput do art. 1.790, comete uma injustiça visível, pois somente outorga o direito sucessório quanto aos bens adquiridos onerosamente, restringindo e limitando o direito do companheiro em detrimento do direito do cônjuge, pois em obediência ao art. 1.725 do C.C., o regime que rege a união estável é a comunhão parcial de bens, salvo contrato em sentido contrário entre os companheiros.

Desta forma, veja o equívoco, conforme exemplifica o ilustre doutrinador Silvio Rodrigues[2], se durante a união estável dos companheiros não houve aquisição, a título oneroso, de nenhum bem, não haverá possibilidade de o sobrevivente herdar coisa alguma, ainda que o de cujus tenha deixado valioso patrimônio, que foi formado antes de constituir união estável.

Inadmissível tal aplicação, considerando que a união estável rege-se pela comunhão parcial, regime no qual o cônjuge participa da sucessão caso o de cujus tenha deixado bens particulares.

Desta forma, o(a) companheiro(a) que dedicou toda uma vida, ajudando de qualquer forma no mantimento dos bens adquiridos por uma das partes antes da união se concretizar, não terá direito algum.

Por outro lado, no caput do mesmo artigo, ocorre a iniqüidade entre cônjuge e companheiro, também tratando aquele de modo menos vantajoso, pois a sua participação sucessória depende do regime de bens adotado no caso de concorrência entre ele e os descendentes, enquanto a participação do companheiro não sofre tal limitação.

Veja a discrepância da lei ordinária, e que deve ser obedecida. No entanto, o que ocorre na maior parte das vezes é o aplicador do direito se posicionar como legislador, o que é veemente proibido.

Em continuidade, o inciso I do artigo 1.790 prescreve que se o companheiro sobrevivente “concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho”. Ressalte-se que o companheiro concorrerá com o descendente comum, quanto a quota dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável.

Da mesma forma, o inciso II prevê o direito do companheiro quando concorrer com descendentes só do autor da herança, cabendo-lhe a metade do que couber a cada um deles, somente em relação aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável.

Reforçando a inconstitucionalidade no tocante a esse instituto, o inciso III dita que:

“se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança”.

Mais uma vez o princípio da igualdade é restringido, pois ao se permitir que parentes sucessíveis, incluindo os colaterais até quarto grau, concorram com o companheiro, trata de situações iguais de forma diferente e, consequentemente, injusta. Como é cediço o cônjuge, segundo prevê o art. 1.829 do Código Civil, atualmente é considerado além de legítimo, herdeiro necessário. Sendo assim, o companheiro não recebe o mesmo tratamento na lei civil.

E por último, no inciso IV, ficou disposto que caso não haja parentes sucessíveis que, como já disse, incluem os colaterais até o quarto grau, o companheiro terá direito à totalidade da herança, constituindo, sem sombra de dúvidas, a formação de uma lei inconseqüente e iníqua.

Além do artigo em análise, há outras questões que tratam de maneira desigual dois institutos hoje considerados sob a mesma proteção estatal e, como disse em seu texto sobre o direito sucessório dos companheiros à luz do Código Civil de 2002, Luciana Ramos Jordão:

“A bem da verdade, a união estável e o casamento existem tão somente para dar à família a proteção legal que ela merece, resguardando o direito dos filhos, da mulher e do homem, e também impondo-lhes deveres.”[3]

Por fim, na verdade, o que deveria ser feito para remediar o erro legislativo, seria incluir o companheiro no Título II que versa sobre a sucessão legítima, admitindo o companheiro(a) como sucessor necessário do de cujus como o é atualmente o cônjuge, considerando a igualdade entre ambos.

Assim, de maneira sucinta, foi tratado um assunto de enorme relevância em nosso ordenamento jurídico, visto se tratar de fato tão presente e vivo em nossa sociedade que é a união estável.

[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil,.v.VI, 2007. p. 165 e 166.
[2] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. v.7, 2007. p.118.
[3] http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11840

5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Acredito que o cuidado em identificar pontos críticos no consenso sobre a necessidade de uma análise cognitiva da semiótica, apresentando tendências no sentido de aprovar a manutenção das regras de conduta normativas, é claro. A revolução dos costumes cumpre um papel essencial na hermenêutica das novas proposições.

    ResponderExcluir
  3. Parabéns pelo ótimo artigo que trata de um assunto que precisa realmente ser mais discutido e analisado!

    Desejo a você Muito Sucesso!

    ResponderExcluir
  4. Primeiramente parabens pelo brilhante artigo Lê, ou melhor Dra. Leleca
    Olha só realmente acho esses dispositivos muito injustos. A começar pela forma como o Estado limita o conceito de entidade familiar, principalmente quanto ao não reconhecimento da União Homoafetiva, a qual também gera inúmeras implicações na vida civil, dos companheiros, o fato de serem homossexuais,não faz com que não sejam titulares de direitos.
    Assim como a companheira, que falsamente foi reconhecida, mas tem seus direitos muitos limitados se comparados à mulher casada.
    Assim, cara amiga, esse tema é muito pertinente, e merece ser amplamente divulgado.
    Tem um julgado do RS, a respeito de sucessão, que reconheceu direitos sucessorios à comcubina. Pois a mesma era aceita pela esposa. Dê uma olhada.
    Beijos sucesso

    ResponderExcluir
  5. Ótimo tema Lê!! Adorei!
    Direito de família era pra ser tão simples não é mesmo? Mas, como a legislação, raramente, consegue acompanhar a evolução de nossos costumes, acabam surgindo conflitos como esse apontados por ti.
    A respeito, mui particularmente, penso que o problema tem origem no fato de que o legislador do CC/2002, possivelmente, ainda detinha um costume conservador com relação à família. Acredito que ele não atribuiu, à união estável, o mesmo valor da família formada por casamento legal, em razão de COIBIR a formação de família apenas pela união estável, ou seja, a intenção era dar crédito à quem constitui família pelo casamento legal.
    Contudo, ao fazer isso, entrou na apontada contradição, pois, ao mesmo tempo em que o legislador quis assumir a União Estável como entidade familiar (que subentende-se serem iguais a princípio), sustenta uma diferença entre elas deixando, ainda, a União Estável abaixo do Casamento Legal.
    Dessa forma, fica claro que o possível conservadorismo do legislador, que queria "presentear" aqueles que se casassem legalmente, automaticamente infringiu o direito da Família formada pela União Estável, revelando-se a inconstitucionalidade ora versada em seu precioso artigo.
    Poxa! Se as duas são FAMÍLIAS, porque então, "família" tem dois conceitos? Pergunto ao legislador: "São iguais ou não são?"
    Quanto às questões voltadas estritamente à sucessão, reservo-me, posto que, certamente, não detendo o necessário discernimento.
    Contudo, ressalvo que o artigo é, além de atual, necessário para que nós, operadores do direito, não esqueçamos a importância de estarmos sempre buscando a mais perfeita, necessária e absoluta JUSTIÇA!!
    Mais uma vez, PARABÉNS!
    Quero ver seu blog cheio de artigos super interessantes como esse! Não faça como eu, que abandonei meu blogo após o terceiro artigo... hehehehe..
    e me avise quando postar novos! ;)
    Sucesso!

    ResponderExcluir